DIA NACIONAL DE LUTA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

FURG divulga Carta Fórum Miradas, baseada nos eixos temáticos do evento

Fórum realizado em maio trouxe discussões sobre direitos de pessoas autistas e suas famílias

Dentro do contexto da luta de pessoas com deficiência, a FURG criou o Miradas - Fórum de Conscientização do Transtorno do Espectro Autista. A primeira edição, realizada em maio deste ano, trouxe provocações sobre sentir e perceber os significados, formas e presenças de ser uma pessoa autista.

Assim, houve relatos de estudantes autistas, conversas com representantes institucionais, exposição de trabalhos e projetos acadêmicos e salas de discussão. Entre os temas debatidos, estiveram capacitismo, saúde e abordagens terapêuticas, educação inclusiva, legislação e políticas públicas, formação profissional e oportunidades, linguagem e comunicação.

Ao final do evento, foi elaborada a Carta Fórum Miradas, baseada nos eixos temáticos discutidos ao longo dos dois dias. O documento pode ser conferido, na íntegra, abaixo.

Carta Fórum Miradas - Conscientização do Transtorno Espectro Autista

O Fórum de Conscientização do Espectro Autista foi um convite a miradas outras, olhares que nos provocaram a sentir e perceber os muitos significados, sentidos, formas, presenças de ser uma pessoa autista. Nossos movimentos de encontro, assim como o caleidoscópio, buscaram colocar pensamentos, histórias, existências em movimento, para assim, reconhecer e traçar possibilidades múltiplas de ação, de coletivo, de afetividade, de acolhimento, de compreensão, de luta, de resistência e de fortalecimento de políticas públicas efetivas que transformem o cotidiano de pessoas autistas de todas as idades e suas famílias.

Durante os dias 10 e 11 do mês de maio de 2023, pessoas autistas, famílias, profissionais da saúde e da educação, estudantes de graduação estiveram juntos para conversar, avaliar e apresentar, em um contexto de tantas ausências, possibilidades de ação que contribuirão para as existências autistas e suas famílias na garantia de seus direitos.

Foram dias com a presença da arte, da cultura, das vozes e corpos manifestos, das presenças e possibilidades encontradas pelas pessoas autistas para resistir a um mundo pensado por uma norma que tenta determinar uma forma única de ser pessoa. Em cada palavra, presença e pronunciamento, íamos compreendendo a pluralidade de possibilidades e diversidades das pessoas autistas, e suas marcas e presenças na construção de um mundo outro, mais respeitoso, diverso e plural.

Para além dos tempos/espaços de conversas, reflexões e ensino, cada encontro proporcionou contribuições para a discussão de cinco eixos temáticos previamente definidos pela comissão de organização do evento, quais foram:

Eixo 1- Saúde e abordagens terapêuticas
Ementa: Pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) vivenciam uma trajetória de desenvolvimento em áreas como cognição social, comunicação, padrões de interesses e comportamentos. O diagnóstico do TEA deve ocorrer na infância e, por isso, a Atenção Primária à Saúde ocupa um lugar importante no cuidado a essas pessoas. O diagnóstico é essencialmente clínico e é realizado a partir das observações da criança, entrevistas com os pais e aplicação de instrumentos de desenvolvimento infantil. O eixo Saúde e Abordagens Terapêuticas tem como objetivo ampliar e discutir as temáticas que perpassam as questões do direito à saúde e aos atendimentos terapêuticos visando promover o conhecimento sobre essa condição, a realidade enfrentada pelas famílias e discutir iniciativas direcionadas para o público TEA.

Eixo 2 - Educação Inclusiva, linguagens e comunicação
Ementa: O objetivo desse eixo é abordar temáticas que ampliem as discussões referentes às diretrizes da educação inclusiva que visam uma educação para todos e todas, preconizando a garantia plena de aprendizagem e o total acesso a todas crianças, adolescentes, jovens e adultos à educação, independente de sua deficiência, condição socioeconômica, gênero, etnia e cultura. No âmbito das linguagens e comunicação, propõe-se trazer para o debate questões acerca da comunicação aumentativa e alternativa, tecnologia assistiva, entre outras formas de acessibilidade que perpassam a linguagem no contexto educacional. Além disso, busca-se proporcionar um maior entendimento do que é capacitismo e anti-capacitismo, a partir de reflexões críticas a respeito da representação sócio-discursiva historicamente construída da Pessoa com Deficiência, como isso contribui na perpetuação da cultura capacitista e quais estratégias podem ser mobilizadas no seu enfrentamento.

Eixo 3 - Família e qualidade de vida
Ementa: O objetivo deste eixo é debater as condições de qualidade de vida da família de uma pessoa com transtorno do espectro autista. Observar a qualidade de vida das famílias de crianças com TEA é de fundamental importância, uma vez que, diante do diagnóstico, o impacto gerado frente ao desconhecimento do que seria o transtorno e de quais as possibilidades terapêuticas necessárias desencadeia um processo doloroso de estresse e de adaptações. As necessidades dessa criança ou adolescente passam a ser imprescindíveis para o seu desenvolvimento social e cognitivo, e as mudanças na rotina familiar passam a ser muitas e profundas. Mães, pais, responsáveis e cuidadores, assim como a pessoa com TEA, precisam de atenção e é indispensável que recebam acolhimento, escuta e orientação adequadas a sua realidade familiar e social.

Eixo 4 - Legislação e políticas públicas
Ementa: Este eixo propõe a discussão contextualizada da atual legislação e das políticas públicas direta ou indiretamente voltadas às pessoas com TEA, oportunizando o debate e a aquisição de conhecimentos que fundamentam a compreensão acerca das políticas e legislação brasileira para as pessoas com TEA, com vistas a um posicionamento crítico frente aos desafios da realidade e um engajamento comprometido com a conscientização, proteção e defesa dos direitos dos autistas.

Eixo 5 - Formação profissional e possibilidades
Ementa: O eixo busca promover uma discussão sobre a formação profissional e possibilidades a partir dessa formação, levando em consideração o capítulo VI (Do Direito ao Trabalho) da Lei 13146/2015, Estatuto da Pessoa com Deficiência/Lei Brasileira de Inclusão.

Dentre as muitas avaliações dos múltiplos contextos vividos, apresentamos as demandas que reivindicam a garantia dos direitos da pessoa autista, bem como, melhores condições de vida, saúde, educação, trabalho e políticas públicas para ela e suas famílias. Logo abaixo registramos os encaminhamentos e possibilidades encontradas em cada coletivo que dialogou em cada um destes eixos:

Eixo 1 - Saúde e abordagens terapêuticas
Criação e distribuição de um Caderno de Orientação, a ser distribuído pelo SUS, organizado em dois materiais, o primeiro material para orientar profissionais, e o segundo para orientar as famílias por meio da mediação dos profissionais.
Fortalecer as ações de cuidado e atenção com relação à saúde da família e da rede de apoio da pessoa autista.
Garantir formação continuada transdisciplinar.

Eixo 2 - Educação inclusiva, linguagens e comunicação
Criação de "Centros de Integração e Inclusão”, podendo ser sistematizados por meio de 'polos', de maneira a agrupar aquelas escolas e demais serviços que estejam localizados nas mesmas regiões e apresentem propostas semelhantes, como a disponibilização de salas sensoriais ou espaços de relaxamento e auto-regulação, a fim de estabelecer uma interação entre estes e potencializar as suas contribuições para a comunidade.
A ampliação do atendimento de monitores para todas as escolas, inclusive as escolas do campo.
Nos cursos de educação superior, ofertar a disciplina Educação Inclusiva em caráter obrigatório.
A garantia de formação e capacitação sobre Educação Inclusiva para professores, técnicos e estudantes.
Criação de uma cartilha que busque apresentar a comunidade universitária os direitos das pessoas com deficiência, visando contribuir com ações formativas, espaços de ensino e interação, com maior respeito aos estudantes.
Garantia de práticas de Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA) para estudantes e professores, a fim de possibilitar a autonomia.
Criação de Processo Seletivo Específico para pessoas autistas, com o compromisso em respeitar seus tempos e suas particularidades.
Consolidação e aperfeiçoamento de escolas de educação especial, garantindo o ambiente de aprendizagem qualificado, seja na modalidade complementar ou exclusiva, criando espaços de articulação das escolas de educação especial com as escolas de ensino médio e com a universidade.
Criação de estratégias educacionais que garantam às crianças autistas a permanência nos diversos espaços escolares.
Ampliação de espaços de diálogo entre as famílias e as instituições de ensino, de maneira a compreender as necessidades do estudante.
Estabelecimento de um movimento de conscientização nas escolas, com a participação de pessoas autistas, tanto para os educadores quanto para as famílias atendidas.

Eixo 3 - Família e qualidade de vida
Ampliação dos Grupos de acolhimento e escuta às famílias, professores e monitores da pessoa autista.
Qualificação da Rede Fluxo Saúde-Educação, garantindo a participação das famílias por meio de processos de escuta.
Promoção de ações de saúde mental e qualidade de vida para as famílias da pessoa autista e seus cuidadores.
Garantia de políticas públicas que atendam a pessoa autista de todas as idades e seus familiares.
Ampliação de políticas públicas de inclusão nos contextos universitários.
Validação do conhecimento prévio das famílias na construção coletiva do Plano Educacional Individualizado (PEI).
Promoção de ações de conscientização junto ao comércio e outros espaços da sociedade.
Qualificação e conscientização de guardas municipais e demais entidades sobre o autismo.
Garantia e orientação às famílias na busca por diagnóstico ainda que tardio.

Eixo 4 - Legislação e políticas públicas
Proposição ao MEC:
Revisão das Diretrizes Curriculares Nacional, para que seja incluso nos QSLs dos cursos de Graduação, disciplina obrigatória sobre inclusão, apresentando as síndromes, os transtornos, as altas habilidades e demais especificidades das pessoas com deficiência.
Revisão do número de alunos por turma (Ensino Fundamental, Médio e Superior).
Proposição à FURG para incluir em seus programas:
Atividades de extensão específicas para a inclusão da pessoa com deficiência, tanto do ponto de vista dos professores, dos acadêmicos como dos usuários, objetivando ampliar o conhecimento sobre as necessidades para as quais os futuros profissionais devem observar ao pensar em usuários com deficiência.
Programas, cursos, extensão voltadas a atualizar sobre a legislação, os direitos e demais especificidades das pessoas com deficiência, direcionados a capacitação da comunidade universitária (professores, técnicos, serviços terceirizados, acadêmicos).
Programa de formação de monitoria especializada, qualificada e em construção para profissionalização, para atender as pessoas com deficiência.
Proposição à Rede Pública de Educação (Municipal e Estadual):
Capacitação e contratação de monitoria especializada, qualificada e em construção para profissionalização, para atender as pessoas com deficiência.
Implementação e garantia do cumprimento do PEI por aluno, estabelecendo um fluxograma (relação) entre o responsável do aluno e o monitor, a seguir o monitor e o professor.
Programas, cursos, extensão voltadas a atualizar sobre a legislação, os direitos e demais especificidades das pessoas com deficiência, direcionados a capacitação de todos os trabalhadores e trabalhadoras da educação (professores, supervisores, secretarias, merendeiras, portaria, inclusive serviços terceirizados).
Ao Serviço de Saúde:
Viabilização de ação integrada entre os profissionais da universidade, da rede pública municipal e da rede privada (voluntária) para atender a alta demanda em laudos.
Proposição à rede pública municipal, as UBSs, capacitação, formação sobre direitos e acolhimento, para todos os profissionais da saúde, inclusive os terceirizados (médicos, enfermeiros, técnicos, recepcionistas, porteiros, manutenção e limpeza, etc).
Tratamento dos Autistas e das Famílias dos Autistas.
Ao Fórum Miradas:
Estabelecimento de uma Rede articulada e permanente de parceiros na causa autista, visando manter todos e todas, atualizados das demandas, ações e evolução da luta.

Eixo 5 - Formação profissional e possibilidades
Da parte dos professores e técnicos, estes acreditam que precisam receber com antecedência as informações de quais alunos têm deficiência para que possam se preparar e saber como lidar com eles. Sobre essa pauta foi comentado que alguns estudantes que não têm deficiência aparente, preferem não comentar e pedir adaptações somente se acharem necessário.
Houve um consenso de que é necessário oferecer formação qualificada sobre inclusão das pessoas com deficiência para professores, técnicos e monitores de todos os níveis de ensino (fundamental, médio, superior).
Garantia das adaptações necessárias nos cursos de graduação e diminuição do número de alunos por sala em algumas turmas.
Proposta de que a FURG desenvolva um projeto de extensão com o tema da acessibilidade.
Garantia do direito de ter monitor para os estudantes autistas nas escolas.
No que se refere às possibilidades de trabalho da pessoa autista, tivemos alguns relatos de pessoas com diagnóstico tardio e que sempre tiveram dificuldade em se adaptar ao mundo do trabalho e se manter nos empregos, portanto é necessário pensar na acessibilidade para os autistas e demais pessoas com deficiência no ambiente de trabalho.
Denuncia-se que no serviço público, um dos primeiros entraves é a forma como as pessoas com deficiência são tratadas pelos peritos médicos que vão avaliar se a pessoa tem a deficiência ou não, então é necessário um preparo dos profissionais da saúde para essa avaliação e um melhor acolhimento, adaptações e acompanhamento da pessoa com deficiência em sua trajetória no serviço público.
Esse melhor preparo dos profissionais da saúdem também será importante para que as pessoas autistas recebam o diagnóstico precoce o que faz muita diferença na qualidade de vida de quem vive no TEA.

Consideramos que se faça chegar este documento a professores de toda a rede de ensino do município, uma vez que nem todos puderam participar do Fórum devido a seus compromissos e/ou limitações pessoais e profissionais. Denunciamos que, ao longo das atividades do Fórum Miradas, estivemos discutindo a respeito de temáticas extremamente relevantes para a inclusão e a educação, contudo diversos professores não foram liberados de suas atividades para contribuir neste evento.
As estratégias aqui propostas buscam a efetivação dos direitos da pessoa autista, em diferentes espaços de ação e presença. Sonhos? Sim, consideramos sonhos possíveis. Esta carta tem o compromisso social de fazer ecoar o coletivo de vozes pronunciadas no Fórum Miradas, em movimentos que buscam ir além da denúncia das ausências, acreditando na construção de ações efetivas que podem ser desenvolvidas desde que haja compromisso do poder público e das diversas instituições com a pessoa autista e suas famílias. Os movimentos de escuta, agora transformam-se em processos de escrita, uma escrita que busca legitimar, firmar, colocar em ação os sonhos possíveis dialogados nos mais diversos encontros que o Fórum Miradas oportunizou.
Reiteramos que chegamos a esta construção de Fórum e de escrita pela existência da pessoa autista, sua luta individual e a perseverança de suas famílias, a entrega e dedicação de muitos profissionais de diversas áreas do conhecimento, todos em uníssono defendem a constituição de legislações que garantam direitos que precisam ser sustentados por políticas públicas efetivas para que se transformem em ações permanentes.
Por nenhum direito a menos, assinamos esta carta.

Organizadores e participantes do Fórum Miradas 2023.