COMISSÃO DA VERDADE

Consun aprovou cassação de títulos honoríficos outorgados no período ditatorial no Brasil

Votação aconteceu na manhã desta sexta-feira, 5, no auditório da Sead

Photograph: Hiago Reisdoerfer/Secom

Motivado pelo trabalho da Comissão Nacional da Verdade (CNV) - e pela Comissão da Verdade no âmbito da FURG - nesta última sexta-feira, 5, membros do Conselho Universitário (Consun) estiveram reunidos no auditório da Secretaria de Educação a Distância (Sead), para deliberar e aprovar matérias pertinentes à universidade. Na ocasião, o Consun aprovou a cassação dos títulos honoríficos de Doutor Honoris Causa aos militares Emiliano Garrastazu Médici, Maximiano da Fonseca e Golbery do Couto e Silva, concedidos pela instituição nas décadas de 1970 e 1980.

A Comissão da Verdade na FURG: contexto

A iniciativa se ancora nos trabalhos desenvolvidos pela CNV, que, em seu trabalho de desvelar a história nacional durante os anos da ditadura civil-militar no Brasil – período compreendido entre 1964 e 1985 – realizou uma extensa pesquisa a respeito de pessoas envolvidas em graves violações aos direitos humanos. A Comissão da Verdade no âmbito da FURG foi instituída em dezembro de 2023, e, desde então, passou a trabalhar intensamente para identificar casos voltados à universidade; seja contra docentes, técnicos-administrativos em educação e estudantes; ou a favor de agentes da ditadura.

Após a elaboração de um relatório que sugere a revisão de medidas realizadas pela universidade durante a sua história, foi posta em votação a cassação dos títulos honoríficos de Doutor Honoris Causa concedidos pela FURG aos militares supracitados.

“Não é aceitável para uma instituição que tem papel central no avanço civilizatório da humanidade, como são as universidades, conceder homenagens a pessoas que comprovadamente tenham perpetrado ações que infligem gravemente direitos fundamentais do ser humano, e que deixaram marcas muito profundas nas famílias e pessoas que as vivenciaram”, pontuou o reitor Danilo Giroldo, na condição de conselheiro e presidente do Consun.

De acordo com o presidente da Comissão da Verdade da FURG, Guilherme Giacobbo, a organização deste grupo de trabalho nasce de uma provocação do Ministério Público Federal para a realização de profundas investigações documentais nos registros da universidade, na finalidade de identificar elementos relacionados ao tema junto à história da instituição. “Cabe a Comissão, também, nortear e recomendar uma mudança de postura no registro de memória da própria FURG, alinhada com o princípio democrático, com o entendimento de Direitos Humanos, e ao pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário; elaborar relatórios que contenham os resultados e recomendações oriundas do trabalho realizado; capitanear ações de reparação a exemplo de restituição de cargos de servidores e a rematrícula de discentes expulsos; e sugerir a demarcação e preservação de locais de memória nos campi da instituição”, pontuou.

Cassações

Os trabalhos desenvolvidos pela CNV em seus mais de dez anos de atividades e pesquisas resultaram na abertura de um Inquérito Civil junto ao Ministério Público Federal, na finalidade de apurar homenagens a autores de graves violações de direitos humanos, praticadas durante a ditadura, e identificados no Relatório Final da Comissão. A ação fez com que uma série de instituições federais iniciassem investigações próprias para tomar as medidas cabíveis, entre elas a FURG.

Em caráter histórico, a universidade, por meio do Consun, aprovou de forma unânime a cassação dos títulos honoríficos emitidos aos três militares em questão, conforme as justificativas compreendidas no relatório da Comissão da Verdade institucional e disponíveis a seguir.

Relatórios

Emilio Garrastazu Médici presidiu o Brasil durante o regime ditatorial civil-militar; seu título foi concedido pela FURG em setembro de 1972. Em dezembro de 2015 e agosto de 2022, Médici teve seus títulos de Doutor Honoris Causa cassados, respectivamente, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), assim como em março de 2024, a Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) decidiu também pela cassação do título concedido.

O período em que Médici exerceu a presidência é por muitos historiadores denominado de “anos de chumbo” uma vez que é identificado como um dos momentos mais repressivos da ditadura no Brasil. O Relatório da CNV, produzido em 2014, aponta que a participação do militar foi identificada na cadeia de comando responsável pelas graves violações de direitos humanos que produziram a morte de 255 pessoas pelo Estado brasileiro.

Ainda em 2014, as Forças Armadas admitiram - por meio do Ofício nº 10944/GABINETE, do Ministro de Estado da Defesa - a existência de graves violações de direitos humanos durante o regime civil-militar, registrando que os Comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica não questionaram as conclusões das sindicâncias da Comissão Nacional da Verdade que apuraram o desvio de finalidade, na figura de ações de tortura e execuções.

Maximiano da Fonseca, foi Almirante-de-Esquadra e Ministro da Marinha no Período de 1979 a 1984. O Almirante assumiu o comando do navio hidrográfico Canopus em junho de 1963; sob seu comando, o Canopus concluiu o levantamento hidrográfico da costa do Rio Grande do Sul, no entanto, as marcas deixadas na memória da comunidade riograndina se dão pelo fato de que, em abril de 1964, este mesmo navio passou a ser utilizado como prisão política para 22 pessoas consideradas subversivas pelo alto comando das Forças Armadas.

Entre os presos políticos ali mantidos em cativeiro e torturados, estiveram agentes da comunidade como professores, vereadores, jornalistas, ferroviários e outros cujas funções sociais ainda não são conhecidas.

Nos últimos anos, um importante número de pesquisadores - muitos ligados à FURG - desenvolveram mais a fundo estudos sobre a atuação do Canopus no aparelho repressivo instalado em Rio Grande.

Golbery do Couto e Silva foi chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) de 1964 a 1967. O general é frequentemente considerado um dos principais teóricos e estrategistas por trás do golpe militar no Brasil e um arquiteto influente na formação e manutenção do regime que se seguiu.

Como fundador do SNI, Golbery criou uma estrutura de inteligência que se tornou um dos pilares do regime militar, desempenhando um papel crucial na coleta de informações, no combate à oposição e na manutenção da ordem conforme definida pelos militares. O SNI não só lidava com a segurança interna e a espionagem, mas também influenciava decisões políticas, econômicas e sociais.

A posição de liderança e suas funções no regime colocam o general em situação de responsabilidade pelas ações do governo militar. A criação e a liderança do SNI implicam participação indireta nas violações de direitos humanos que foram perpetradas sob a égide da segurança nacional.

Durante o período da ditadura, o Brasil viu uma extensa repressão a opositores políticos, que incluiu tortura, assassinatos, desaparecimentos forçados e outras graves violações de direitos humanos; práticas que integravam uma estratégia mais ampla de manutenção do poder, que se baseava em grande parte nas doutrinas de segurança nacional promovidas por figuras como Golbery.

Por fim, o reitor destacou que a pauta não condena ou desrespeita os colegas consultores que participavam do Consun na época das concessões, mas sim, representa um importante movimento nacional e um exercício democrático de justiça pelos crimes cometidos durante o período e que não puderam ser devidamente julgados à época. “Na ocasião não se tinha o cenário completo, hoje ele é posto e comprovado, e é nossa missão exercer o papel administrativo que nos cabe”, concluiu o reitor.

 

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Hiago Reisdoerfer/Secom