Elas na feira - histórias de mulheres: Sirley da Silva Amaro

“As histórias são importantes. Muitas histórias são importantes”, disse Chimamanda Adichie, na conferência O perigo da história única, no TEDGlobal 2009. Inspirada pela escritora nigeriana e em sintonia com o tema escolhido pela 45ª Feira do Livro da FURG – histórias de mulheres, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da universidade apresenta o projeto Elas na feira, iniciativa que mostra relatos de (sobre)vivências femininas. Com uma câmera fotográfica e um gravador, captamos universos e o estar no mundo feminino pelas vozes de mulheres que passam pelo evento. O resultado é esta série de perfis singulares, que pode ser acompanhada aqui.

Sirley da Silva Amaro - 82 anos 

Mestra Griô Sirley Amaro. Dona Sirley também. Sou de Pelotas.

A minha infância... Eu considero como uma infância muito boa. Sadia. Porque é como eu falei... Às vezes perguntam assim: como é a infância de uma menina negra? Na verdade, na quadra em que eu me criei tinha meninas brancas também. Havia algumas diferenças. Porque no geral, os negros naquela época não tinham um poder aquisitivo. Mas eu não guardo nada de triste. Nunca me faltou alimentação, nunca me faltou carinho dos amigos, da família. E as amizades, a gente brincava de rodas, de se esconder. Uma coisa que eu sinto saudade, pra quem conhece Pelotas, havia um Canalete e eu sinto saudade porque eu não vejo as crianças brincar de barquinho de papel. Então, em dias de chuva a gente ia pro Canalete. A gente fazia bastante barquinho, chegava na esquina, botava os barquinhos dentro do Canalete e acompanhava até a outra esquina pra ver qual barquinho chegava primeiro. E também, depois, já um pouco maior, a minha diversão preferida era Matinê. Eu gostava muito de ir ao cinema. Naquele tempo existiam, assim, muitos filmes engraçados, filmes alegres. Desenhos. O Gordo e o Magro, Os três patetas. E também filmes musicais que a gente não vê mais.

“Eu tenho vivas assim as minhas brincadeiras.”

Estudei só até a quinta série. Mas a gente brincava de roda, de mamãe deixa eu ir, de pedrinha. Mais ou menos isso. Eu guardo muito a minha infância. Eu pra mim quando falo da minha infância parece que foi ontem. Eu tenho vivas assim as minhas brincadeiras. Acho que pelo bom humor que eu tenho... Eu gostei de ser criança e sempre gostei de crianças. E talvez por essa coisa da minha mãe ser babá... A moça que a minha mãe foi babá tá viva ainda, vai fazer 90 anos. E quando a minha mãe fazia limpeza em algumas casas e tinha crianças eu brincava muito com as crianças. E hoje esse projeto que eu participo, da Vivência Griô, que é do Ministério da Cultura, foi reconhecido na época do Gilberto Gil ministro, ele foi dedicado justamente para os Griôs irem nas escolas e passarem as memórias pra saber como é o costume, pras crianças saberem que quase tudo que tem hoje teve uma raiz. Teve lá atrás um começo. E também é muito importante que as crianças saibam da sua história, de seus avós.

“e eu percebi que tenho história pra todas as idades.”

Eu tenho um filhos de 47 e outro de 52. Tenho netos. E tenho uma neta que é muito parecida comigo. Quando a gente se encontra brinca muito. E ela gosta muito de cantar. E eu vou muito nas escolas. Esse projeto quando foi criado era pra crianças a partir dos 13 anos. Mas depois as escolas começaram a convidar e eu percebi que tenho história pra todas as idades. Eu tenho 82 anos então a gente visita casa de idosos e lá gente leva essas marchinhas que eles gostam muito. E quando eu faço oficina em creches, eu levo o fuxico. Tem escolas que as crianças são maiores e a gente faz o fuxico. E tem escolas, quando são pequeninhos, eu levo ele pronto e elas só puxam. Aí a escola faz as mensagens e depois eles levam o fuxico pra casa com as mensagens.

“Eu acho que eu gosto muito da rua.”

O segredo é força espiritual e saúde também, né. A saúde em primeiro lugar, né. A vontade e a alegria. E a música. Eu não vivo sem música. O carnaval é essencial. Agora essa semana eu tive uma atividade: a Rádio Pelotense fez 100 anos e saiu um bloco sábado passado. Na rua, aberto ao público. E a rua 15 de novembro, onde tinham os carnavais antigos. Eu fui então pro bloco e pensei “Vou ver qual é o efeito”, porque eu tenho o joelho esquerdo bem complicado. Mas eu desfilei quatro quadras e não senti dor, não doeu depois. Até porque eu não tô fazendo ginástica, mas eu preciso fazer. Eu tenho uma amiga que é atleta e me ensinou uma ginástica, que ela aprendeu no Japão, pra coluna que é espetacular. Eu acho que eu gosto muito da rua. Eu não gosto muito de baile. Eu acompanho bandas.

Vocês são de Rio Grande? Então, deem um recado pras bandas do Rio Grande. Cadê as bandas antigas maravilhosas que iam a Pelotas? Eu tô dizendo isso, mas sei que infelizmente a situação financeira... Eu cansei de vir a Rio Grande acompanhar e elas irem a Pelotas. As bandas de escolas, Lemos Junior, Helena Small...

“A riqueza do projeto é que cada Griô vai praticar a sua profissão, a sua vivência.”

Ele é um projeto do ministério da cultura. Só que assim, nem todos Griôs fazem a mesma coisa. A riqueza do projeto é que cada Griô vai praticar a sua profissão, a sua vivência. Essa que é a riqueza. E muita gente não tem ideia que... Eu sou um veículo de pesquisa pra universdade. Porque eu trabalhei com alta costura. Então eu sou procurada pelo pessoal da moda pra saber como era a moda em determinadas coisas da costura. Eu sou procurada pelo pessoal de Artes, por causa do carnaval. O pessoal da história, da antropologia, pra que eu passe memórias que eu tenho. E aí é mais ou menos isso. Eu conto histórias, essa que é a importância do Griô.

Olha, eu me sinto muito feliz. Eu fico muito eufórica. Uma coisa que me acontece muito depois de uma apresentação é que eu como, como e tô sempre com fome. E aí eu acho que é ansiedade. Mas quando eu chego cedo, por exemplo, hoje não porque vou chegar em Pelotas tarde, mas no dia do bloco eu cheguei em casa às 5 horas da tarde e telefonei pra todas as minhas amigas porque eu quero passar aquela minha alegria.

 

Foto: Karol Avila

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Sirley da Silva Amaro

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