EVENTO EXTREMO

“Até quando vai durar a inundação?” é o tema da 20ª edição do Boletim de Acompanhamento do Fenômeno Climático

Para responder à pergunta, comitê reuniu especialistas em meteorologia, climatologia, hidrologia, geoprocessamento e oceanografia da FURG

Na tarde desta quarta-feira, 5, o Comitê de Eventos Extremos da FURG divulgou o 20º Boletim de Acompanhamento do Fenômeno Climático que atinge o Rio Grande do Sul desde o início de maio. Nesta edição especial, os pesquisadores focam em estipular até quando durará a inundação; para isso foram consultados especialistas em meteorologia, climatologia, hidrologia, geoprocessamento e oceanografia da Universidade, na finalidade de avaliar as condições ambientais que configuraram a formação, permanência e término dos impactos sentidos.

O relatório aponta três pontos importantes para elucidar a questão no que tange os impactos ocasionados às cidades ao entorno da Lagoa dos Patos, sendo eles: a precipitação na bacia hidrográfica da Lagoa; o nível e vazão dos rios, Canal São Gonçalo e Lagoa dos Patos; e as características do relevo na planície costeira e o processo de inundação.

Precipitação na Bacia Hidrográfica da Lagoa dos Patos

Um dos fatores mais relevantes para a situação atual é o alto volume de chuvas; os prognósticos climáticos dos principais centros nacionais e internacionais mostram uma diminuição desse volume de precipitação já para as primeiras semanas de junho, o que vem acompanhado por uma diminuição também nas temperaturas.

Além disso, outro fator atribuído ao momento atual é o enfraquecimento do fenômeno El Niño e a transição para fase neutra, o que gera uma situação de normalidade na região, reduzindo os impactos climáticos. Nesse sentido, os prognósticos apontam que nos meses seguintes haverá, ainda, o início do fenômeno La Niña. Estes cenários - de neutralidade e de La Niña - indicam ausência de chuvas expressivas na bacia hidrográfica da Lagoa do Patos.   

Nível e vazão dos rios, Canal São Gonzalo e Lagoa do Patos  

De acordo com o texto do Boletim, após o Guaíba atingir o seu nível máximo, registrado em 5,35m no dia 5 de maio - superando o nível da enchente de 1941, registrado em 4,76m - houve uma evidente tendência de diminuição do seu nível. Nesta última terça-feira, 4, a medição listou a altura do corpo abaixo da cota de inundação.

Segundo a previsão do comportamento do nível no Guaíba, feita pela Empresa Rhama Analysis, a expectativa para os próximos 12 dias apresenta uma tendência de redução, atingindo níveis abaixo do fator de alerta (fixado em 3,15m). Esse prognóstico de redução nos níveis também é observado na região sul da Lagoa dos Patos como, por exemplo, pelo linígrafo do CCmar, em Rio Grande, que registrou uma redução de cerca 50cm desde que o estuário atingiu seu ponto máximo e o presente.

Ainda neste tópico, o relatório também informa o nível da Lagoa Mirim, a partir dos dados da Agência da Lagoa Mirim e do Grupo Hidrosens, os quais indicam que o corpo manteve níveis elevados, incluindo o Canal São Gonçalo e o Laranjal, em Pelotas. Esse cenário se apresenta em função do volume precipitado na bacia hidrográfica e a intensidade e direção dos ventos.  

Características do relevo na planície costeira e o processo de inundação  

O relevo da planície costeira é configurado pelo sistema laguna-barreira, cordões litorâneos, terraços e bacias de inundação dos rios.  Em Rio Grande, é característica a ocupação urbana sobre as barreiras, podendo estender-se até os cordões litorâneos e as marismas, os quais apresentam cotas altimétricas mais baixas, quase ao nível das águas da Lagoa dos Patos e, portanto, mais vulneráveis ao processo de inundação. Com o aumento do nível da Lagoa, a inundação ocupou esses terrenos mais baixos como, por exemplo, os aterros sobre as marismas no entorno da cidade e as Ilhas dos Marinheiros, Torotama e Quitéria, impactando até mesmo as áreas mais elevadas durante os picos máximos registrados.

No processo de redução do nível da Lagoa, as primeiras áreas que estarão livres de inundação são as áreas mais elevadas, associadas às barreiras, e as últimas serão as áreas baixas, especialmente os entornos das ilhas que são classificados como cordões litorâneos.  

Já a cidade de São José do Norte situa-se sobre os terrenos da terceira barreira, portanto, possui cotas altimétricas crescentes em um perfil topográfico, partindo da Hidroviária em direção ao centro da cidade. Com isso, o aumento ou diminuição do nível da Lagoa gera inundações mais distantes ou próximas ao cais do porto. Consequentemente, as áreas mais vulneráveis ao processo de inundação são as áreas baixas, que estão próximas ao Canal do Rio Grande, as quais serão as últimas áreas que ficarão livres de inundação.  

As áreas urbanas de Pelotas e São Lourenço do Sul, por sua vez, estão localizadas na margem oeste da Lagoa, e ocupam áreas dos terraços lagunares e áreas mais baixas como, por exemplo, as praias lagunares e bacias de inundação do Rio Camaquã, Canal São Gonçalo e outros arroios. Neste contexto, as inundações nesses locais podem ocorrer em função do aumento do nível da Lagoa do Patos que, além dos aportes do Guaíba, contou com grandes vazões do Rio Camaquã e do Canal São Gonçalo. A ação de ventos de Leste, Leste-Nordeste ou mesmo de Sudeste causaram empilhamento de água nessas áreas amplificando esta situação, cenário que ainda contou com a contribuição das ondas. 

Somado a isso, arroios locais como o Arroio Pelotas, em Pelotas; e arroio São Lourenço e Caraá em São Lourenço do Sul, mesmo não sendo capazes de alterar significativamente o nível da Lagoa dos Patos, acabam por afetar drasticamente as áreas urbanas, pois em sua foz, ao encontrarem o nível da Lagoa dos Patos elevado, têm sua vazão bloqueada e transbordam em vários locais na área urbana, gerando muitos transtornos. No entanto, o processo de término das inundações está associado à diminuição do nível da Lagoa dos Patos e, neste sentido, as áreas urbanas das duas cidades que são mais vulneráveis às inundações situam-se nas porções leste, nordeste e sudeste uma vez que estão mais próximas às praias lagunares e apresentam cotas altimétricas menores, quando comparadas aos terraços mais elevados.  

 

Afinal, até quando vão durar as enchentes na região sul do Estado?

Este é um dos principais questionamentos da comunidade, e só pode ser respondido com base nos dados medidos pelo linígrafo da FURG, nas previsões do comportamento do nível obtidas por simulações numéricas de curto prazo e na previsão climática e de descargas dos principais tributários da Lagoa dos Patos.

Os dados do linígrafo indicam que o nível da Lagoa dos Patos teve dois picos máximos, em 16 e 27 de maio, respectivamente. Desde o início de junho há uma tendência de diminuição do nível; além disso, a previsão de curto prazo do comportamento do nível na região sul do estuário apresenta uma diminuição de 25 a 30cm a cada cinco dias. As descargas dos rios tributários também apresentam uma recessão gradual das enchentes em função da água residual e das chuvas esparsas sobre as bacias de drenagem.  

Considerando os níveis de inundação publicados no último Boletim (edição 19, disponível aqui) e uma taxa de redução do nível em 25cm a cada cinco dias, é possível estimar que a inundação nas cidades do Rio Grande e São José do Norte deve durar mais uma semana, e as áreas mais baixas como, por exemplo, porções das ilhas dos Marinheiros, Quitéria e Torotama, devem permanecer por mais duas ou três semanas até uma normalização.

Os locais em Pelotas e São Lourenço do Sul que possuem inundações com profundidades em torno de 1m devem ficar submersos por mais duas ou três semanas. Cabe ressaltar que as áreas mais elevadas devem ficar emersas em um tempo menor, quando comparadas às áreas mais baixas. É importante ressaltar que existe a possibilidade de oscilações para cima e para baixo no nível da Lagoa dos Patos, o que retarda ou acelera o processo de recuo das águas.   

Confira o boletim e os gráficos deste estudo no 20º Boletim de Acompanhamento do Fenômeno Climático, disponível a seguir.

Boletim 20 - Comitê de Eventos Extremos